Fonte: http://www.instituto-camoes.pt/cvc/ciencia/p25.html
Sacadura Cabral e Gago Coutinho Carlos Viegas Gago Coutinho, nasceu em Belém, Lisboa, em 17 de Fevereiro de 1869. Era filho de José Viegas Gago Coutinho e de Fortunata Maria Coutinho. Em 1885 concluiu o curso do Liceu e matriculou-se na Escola Politécnica para preparar a sua entrada na Escola Naval, um ano depois. Entrou para a Armada como aspirante em 1886. Em 1890 foi promovido a guarda-marinha, em 1891 a segundo-tenente, e em 1895 passou a primeiro-tenente. Em 1907 foi promovido ao posto de capitão-tenente e em 1915 ao posto de capitão-de-fragata. Em 1920 passou a capitão-de-mar-e-guerra. Em 1922 foi promovido ao posto de vice-almirante, e em 1958 a almirante.
Podemos dividir a actividade de Gago Coutinho em quatro áreas, que se sucedem cronológicamente enquanto áreas de actuação prioritária: marinha, sobretudo de 1893 a 1898, trabalhos geográficos, entre 1898 e 1920, navegação aérea, de 1919 a 1927, e história da náutica e dos descobrimentos, de 1925 a 1958.
O seu primeiro embarque prolongado foi na corveta “Afonso de Albuquerque”, de 7 de Dezembro de 1888 a 16 de Janeiro de 1891, em viagem para Moçambique e na Divisão Naval da África Oriental. Desta corveta passou à canhoneira “Zaire”, na qual esteve até 24 de Abril de 1891, viajando para Lisboa. Colocado na Divisão Naval da África Ocidental, embarcou sucessivamente na lancha-canhoneira “Loge”, que comandou, na canhoneira “Limpopo”, na canhoneira “Zambeze”, e na corveta “Mindelo”. Em serviço nesta corveta no Brasil em 1894 contraiu a febre amarela, pelo que foi internado no Hospital da Beneficência Portuguesa no Rio de Janeiro. De novo na Metrópole, esteve embarcado na canhoneira “Liberal” e na corveta “Duque da Terceira”. Fez nova viagem no Atlântico Norte na corveta “Duque da Terceira”. Viajou até Moçambique no transporte “Pero de Alenquer” e depois passou à corveta “Rainha de Portugal”, e em seguida à canhoneira “Douro”, que o trouxe para Lisboa. Embarcou depois na corveta couraçada “Vasco da Gama”, até 31 de Março de 1898, da qual transitou para a sua primeira comissão de geógrafo ultramarino, em Timor.
Desde Março de 1898 a maior parte da actividade de Gago Coutinho desenvolveu-se no âmbito da Comissão de Cartografia, nascida em 1883, primeiramente em trabalhos de campo de delimitação de fronteiras ou de geodesia processados em Timor, Moçambique, Angola, e S. Tomé, e a partir de 1919 como vogal, passando a presidir aos seus destinos em 1925, até à sua transformação na Junta de Investigações do Ultramar, em 1936.
Entre 27 de Julho de 1898 e 19 de Abril de 1899, Gago Coutinho esteve envolvido em trabalhos de campo, na delimitação de fronteiras de Timor e no levantamento da carta deste território. De regresso à metrópole, foi nomeado para a delimitação de fronteiras no Niassa, trabalho que decorreu entre 5 de Setembro de 1900 e 28 de Fevereiro de 1901. Partiu depois para Angola, onde se dedicou à delimitação da fronteira de Noqui para o rio Cuango, até fins de 1901. Em seguida trabalhou na delimitação de fronteiras no distrito de Tete, em Moçambique, entre 27 de Fevereiro de 1904 e 18 de Dezembro de 1905.
Foi nomeado chefe da Missão Geodésica da África Oriental, nela tendo trabalhado durante cerca de 4 anos, de Maio de 1907 até ao início de 1911. Foi nesta missão que conheceu Sacadura Cabral, com quem travou amizade e que viria a ser o mentor dos projectos futuros de navegação aérea. Em seguida foi escolhido para chefiar a missão portuguesa de delimitação da fronteira de Angola no Barotze, a qual só se constituiu definitivamente em 1912. Regressando à metrópole em 1914, foi nomeado em 1915 chefe da Missão Geodésica de S. Tomé.
Os seus trabalhos ao serviço da Comissão de Cartografia, foram interrompidos apenas pelos períodos em que esteve embarcado nas canhoneiras “Sado” na India e “Pátria” em Timor, de Setembro de 1911 a Agosto de 1912, e de Março de 1922 a Dezembro de 1923, quando da travessia aérea Lisboa-Rio de Janeiro.
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Hidroavião bimotor Felixtowe F.3, utilizado por Gago Coutinho e Sacadura Cabral na viagem Lisboa-Funhal
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Sextante de Gago Coutinho usado
na travessia do Atlântico.
Em meados de 1919, quando terminava os trabalhos relativos à missão geodésica de S. Tomé, Gago Coutinho, incentivado por Sacadura Cabral, começou a dedicar-se ao progresso dos métodos de navegação aérea. Tinham voado pela juntos pela primeira vez em 1917. Sacadura Cabral planeara já a viagem aérea ao Brasil, que pretendia fazer por altura da comemoração do centenário da independência desse país, em 1922. Gago Coutinho passou então a dedicar-se à resolução dos problemas que se punham à navegação aérea sem pontos de referência à superfície. Para experimentar os processos de navegação aérea em estudo, Sacadura Cabral e Gago Coutinho fizeram diversas viagens juntos, incluindo a primeira viagem aérea entre Lisboa e Funchal, em 1921, aperfeiçoando deste modo os métodos de observação em desenvolvimento. Estes estudos culminaram em 1922 com a realização da viagem aérea entre Lisboa e o Rio de Janeiro.
Foi membro de diversas associações científicas, entre as quais a Academia das Ciências, a Academia Portuguesa de História, a Sociedade de Geografia de Lisboa e várias Sociedades de Geografia do Brasil.
Actividade Científica
Gago Coutinho realizou muitos trabalhos de delimitação de fronteiras das colónias portuguesas, nomeadamente em Timor, Moçambique e Angola. Em Timor procedeu à demarcação da fronteira com a parte da ilha então ocupada pelos holandeses, nos anos de 1898 e 1899. Em Moçambique delimitou as fronteiras no Zambeze e no lago Niassa, no ano de 1900, estabelecendo também triangulações. Em 1901 e 1902 chefiou a equipa de delimitação de fronteiras no Norte de Angola, entre esta colónia e o Congo Belga. Entre 1907 e 1910 trabalhou de novo em Moçambique, para voltar a Angola em 1912 em trabalhos de delimitação da fronteira Leste com a Rodésia. Entre 1915 e 1918 chefiou a missão geodésica em S. Tomé, onde implantou marcos para o estabelecimento de uma rede geodésica da ilha, após o que fez observações de triangulação, medição de precisão de duas bases e numerosas observações astronómicas. No decurso destas observações comprovou a passagem da linha do Equador pelo Ilhéu das Rolas. A Carta resultante destas observações foi entregue em 1919 em conjunto com o Relatório da Missão Geodésica da Ilha de S- Tomé 1915-1918, que foi considerado oficialmente o primeiro trabalho de geodesia completo referente a uma das colónias portuguesas. Faleceu em Lisboa a 18 de Fevereiro de 1959.
O que celebrizou Gago Coutinho foi o seu trabalho científico pioneiro na navegação aérea astronómica e a realização, com Sacadura Cabral, da primeira travessia aérea do Atlântico Sul, entre Lisboa e o Rio de Janeiro. A partir do momento em que voou pela primeira vez com Sacadura Cabral, em 1917, Gago Coutinho tentou resolver os problemas que se punham à navegação aérea astronómica. Colocava-se o problema da dificuldade de definição da linha do horizonte a uma altura normal de voo. A dificuldade em efectuar medições precisas de posição em situação de voo com um sextante vulgar colocava problemas de natureza instrumental e metodológica.
Para resolver o problema de medição da altura de um astro sem horizonte de mar disponível Gago Coutinho concebeu o primeiro sextante com horizonte artificial que podia ser usado a bordo das aeronaves. Este instrumento, que Gago Coutinho denominou «astrolábio de precisão» permite materializar um horizonte artificial através de um nível de bolha de ar e é dotado de um sistema de iluminação eléctrico do nível de bolha que permite fazer observações nocturnas. Entre 1919 e 1938 Gago Coutinho dedicou-se ao aperfeiçoamento deste instrumento, que veio a ser fabricado e difundido pelo construtor alemão C. Plath com o nome de «System Admiral Gago Coutinho».
Corrector de rumos
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Corrector de rumos Coutinho Sacadura, utilizado na navegação.
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Trajecto da viagem Lisboa-Rio de Janeiro
Hidroavião Lusitânia, no qual Gago Coutinho e Sacadura Cabral partiram de Lisboa em 30 de Março de 1922.
Hidroavião Santa Cruz com o qual Gago Coutinho e Sacadura Cabral cumpriram o último troço do trajecto entre Lisboa e Rio de Janeiro, exposto no Museu de Marinha em Lisboa.
Em colaboração com Sacadura Cabral concebeu e construiu um outro instrumento a que chamaram «Plaqué de abatimento» ou «corrector de rumos», que permitia calcular graficamente o ângulo entre o eixo longitudinal da aeronave e o rumo a seguir, considerando a intensidade e direcção do vento.
Para comprovar a eficácia dos seus métodos e instrumentos, Gago Coutinho e Sacadura Cabral fizeram várias viagens aéreas, entre as quais uma viagem Lisboa-Funchal, em 1921, em cerca de sete horas e meia. Nesta viagem, Gago Coutinho executou 15 cálculos de rectas de altura e várias observações da força e direcção do vento.Segundo escreveu, os processos de navegação utilizados “eram os suficientes para demandar com exactidão qualquer ponto afastado da terra, por pequeno que fosse, recurso este que se tornava muito essencial numa projectada viagem aérea de Lisboa ao Brasil”. A viagem que finalmente demonstrou a todo o mundo o valor destes instrumentos e métodos foi a travessia aérea do Atlântico Sul, entre Lisboa e o Rio de Janeiro, entre 30 de Março e 17 de Junho de 1922.
Após esta viagem e as subsequentes homenagens e recepções oficiais, Gago Coutinho continuou a trabalhar na Comissão de Cartografia e passou a dedicar grande parte da sua atenção à história das viagens do descobrimento dos séculos XV e XVI, tendo publicado muitos textos em que analisava os métodos utilizados e procurava explicar como conseguiram os portugueses realizar as navegações a longa distância e ver terra nos séculos XV e XVI. A partir das suas experiências de navegação à vela em diversos navios em que prestou serviço procurou explicar como os portugueses utilizavam já então os métodos mais adequados para fazer face aos ventos e correntes contrárias.
Fez viagens em que praticou a observação com astrolábio semelhante aos que usavam os portugueses no século XV, comparando os seus resultados com os obtidos em sextantes e cronómetros com auxílio de sinal de rádio. Destes estudos concluiu que a experiência dos navegadores portugueses da época dos descobrimentos foi determinante para possibilitar a navegação astronómica, e que as viagens eram devidamente planeadas a partir da experiência e que as suas rotas de regresso não eram fruto das tempestades e outros imprevistos, como defendiam alguns historiadores. São de destacar os seus estudos sobre o regime de ventos e correntes no Atlântico Norte, que obrigava os navegadores portugueses a contornar pelo mar largo as correntes e ventos contrários, no regresso da Guiné ou da Mina. Esta manobra, chamada volta da Guiné ou volta da Mina, e que Gago Coutinho habitualmente chamava ‘volta pelo largo’, começou a ser praticada em meados do século XV, sendo no início do século XVI uma navegação de rotina.
Fernando Reis
Publicações
A única publicação em livro foi o Relatório da Missão Geodésica da Ilha de S- Tomé 1915-1918. No entanto, publicou inúmeros trabalhos em publicações periódicas, tendo sido muitos destes trabalhos reunidos em dois volumes organizados e prefaciados pelo Comandante Moura Brás: A náutica dos descobrimentos. Os descobrimentos marítimos vistos por um navegador: colectânea de artigos, conferências e trabalhos inéditos do Almirante Gago Coutinho, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1951-1952, 2 vols.
Muitos outros textos foram publicados em dois volumes editados por Teixeira da Mota: Obras completas de Gago Coutinho, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1972.
Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luís de, Curso de História da Náutica, Lisboa, Alfa, 1989.
BOLÉO, José de Oliveira, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, Lisboa, Sociedade de Geografia, 1972.
CORRÊA, Pinheiro, Gago Coutinho, Precursor da Navegação Aérea, Porto, Portucalense Editora, 1969.
Correia, José Pedro Pinheiro,
LEMOS; Carlos M. Oliveira e, O Almirante Gago Coutinho, Lisboa, Instituto Hidrográfico, 2000.
REIS, Manuel dos, CORTESÃO, Armando, Gago Coutinho Geógrafo, Coimbra, Junta de Investigações do Ultramar, 1970, sep. de Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Tomo XIII, 1969.
Apontadores
Aeromodelismo e Aviação em Portugal
Raid Aéreo Lisboa-Rio de Janeiro 1922-2002
A ANTI-LENDA DO DESCOBERTO
Nevoeiro cerrado. Quase não ouve o barulho do próprio motor. Dos companheiros, nem vivalma, não se vê um palmo à frente do nariz. Cáspite, não vai ser um nevoeirozinho que o obriga a voltar para trás. Um português não desiste. Como Lázaro nos jogos Olímpicos, uns anos antes, um exemplo de lealdade à Pátria. A tarefa ser apenas de rotina, nem entra nas suas cogitações. É uma missão, tanto faz se de guerra ou de paz, missão é. A sua honra e a da pátria confundem-se. Dizem que do nevoeiro virá, um dia, D. Sebastião. Pelo nevoeiro desaparece Sacadura Cabral para nada mais restar que uns tantos destroços de aeronave, ruínas impessoais duma vida feita de muitas vidas. E também de coragem, que outros chamam loucura. De tenacidade, que outros chamam teimosia. De perfeccionismo, que outros chamam doença. De honra, que outros chamam religião. De oftalmia incurável, diagnosticada por Gama Pinto (que o aconselha a deixar o serviço de pilotagem), e à qual não se rende...
UM BILHETE DE SANTOS DUMONT
Biarritz, 23-11-1924
Prezado Amigo Almirante Gago Coutinho,
Amigo não pode fazer uma ideia de quanto ansioso e triste tenho estado com as notícias da morte provável do nosso bom Amigo Sacadura Cabral!
Porque não seguiu ele os meus conselhos de descansar depois de tão grande feito que foi a viagem Portugal- Brasil?
Eu continuo a pedir a Deus que ele continue ainda com vida e esteja a bordo de algum barco veleiro e que nós possamos vê-lo ainda.
Do amigo
Santos Dumont
BREVE CRÓNICA DA AERONÁUTICA PORTUGUESA
(DOS PRIMÓRDIOS ATÉ SACADURA)
Em Alverca é instalado o Parque de Material Aeronáutico. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.
Pedro Fava Ribeiro de Almeida é o primeiro nome que se conhece ligado à Aviação Lusitana. Alferes, oficial de Engenharia, é o primeiro entusiasta pelas novas aventuras. Funda aquele que se viria a tornar no Aero Club de Portugal, recrutando o amigo Sotero Esteves e tendo artes para ter mais dezassete pessoas a trabalhar. Consegue concretizar em Alverca o Parque de Material Aeronáutico, conhecido por "Feira do Major", posto que ocupava então. Prefere a aerostação ao romantismo decadente das tardes elegantes - e alguma mocidade com desafogo financeiro e espírito patriótico segue-lhe as pisadas.
À indiferença da maioria da população e ao desprezo das classes altas, o voo do mais pesado que o ar vai contrapondo manobras mais publicitárias que realmente úteis, porém decisivas no desenvolvimento do nóvel meio de transporte, que só alguns visionários intuem para que servirá. Nenhum deles vai intuir que o primeiro serviço que vai notabilizar a Aeronáutica será o da Guerra, durante a primeira mundial, mas isso, por enquanto, são outras histórias...
Em 1910, Manet, aviador francês executa o primeiro voo em Portugal, em Belém, à incrível altura de cinquenta metros. Tripulava um Blériot idêntico ao que atravessara recentemente o Canal da Mancha. Entretanto, e comprovando mais uma vez que não há revolução tecnológica sem forte contribuição dos artistas, o poeta João Gouveia empolgava as plateias com demonstrações de Aeronáutica infantil, a antepassada do actual Aeromodelismo. Por dez centavos, no atafulhado Salão da Ilustração Portuguesa, no edifício do jornal o "Século", órgão que se encontrava inteiramente identificado com a necessidade de propagandear a causa, ou no Parque das Laranjeiras, com direito a banda de música e fogos de artifício, todos aprendiam a sonhar com a glória dos malucos das máquinas voadoras...
Os acontecimentos sucedem-se. Fernando Vale funda o efémero jornal "Aviação". O Comércio do Porto, por iniciativa do jornalista Bento Carqueja, compra um biplano Farman - que faz demonstrações em Belém e a seguir no Porto. O "Século", para não ficar atrás, compra um de cinquenta cavalos-vapor (50 HP) e faz nele evolucionar o francês Morel.
Em 1914, finalmente, temos o nosso primeiro mártir alado, D. Luís de Noronha, que abandonara as tardes dançantes no Clube Estefânia e despenha o seu Voisin no Tejo - após demasiado tempo na água, morre depois no hospital.
Em 1915, as necessidades da Guerra levam um grupo de oficiais, na maioria oriundos de Cavalaria, a partir para o estrangeiro, única forma de obter o diploma de aviadores. É assim que para os Estados Unidos partem Cifka Duarte, Carlos Beja, Francisco Aragão e Salgueiro Valente. Para Inglaterra, António Maia, Lelo Portela e Oscar Monteiro Torres. Mas para França parte Santos Leite com dois camaradas da Marinha de Guerra: António Caseiro e Sacadura Cabral. Este último é já um nome de prestígio nos anais militares e científicos, e havia pouco regressara de África.
Durante a Guerra, apenas um destes homens perderá a vida, Monteiro Torres. Sacadura e Caseiro brilham durante a fase de aprendizagem. Regressados a solo pátrio, enviam-nos para Vila Nova da Rainha a dar instrução. Da tarefa desemcumbem-se com acerto, auxiliando os camaradas a ganhar asas também.
Em 1921 dão-se as primeiras descidas de pára-quedas, em Alverca. O capitão-engenheiro Mário da Costa França e o tenente José Machado de Barros, perante muitas entidades oficiais, lançam-se da barquinha dum balão cativo a novecentos metros de altura - e escapam ilesos...
A 5ª arma, como então se dizia, passava do futuro ao presente.
A CEIFEIRA I
Vão decorridos muitos anos já sobre esse triste acontecimento. Não me recordo de qualquer frase trocada antes de entrar no avião. De resto, bem pouco falámos nessa manhã da descolagem para Lisboa, que viria a ser a arrancada de Sacadura para a morte.
Tudo parecia simples...
No momento da partida vi apenas um dia como os outros, sem particularidade alguma a não ser a próxima e honrosa companhia de Sacadura entregue à organização metódica do empreendimento que sonhava.
Umas horas depois, via esse dia já duma forma diferente. A primeira etapa estava vencida pelo aparelho de Santos Mota e pelo meu, mas o Fokker de Sacadura não chegava nem voltava para trás. Começou a ansiedade a que o desapontamento pôs termo, com o aparecimento de parte dum flutuador do aparelho, devolvida pelo mar.
(Comandante Pedro Ferreira Rosado in "Breve História da Aviação Portuguesa"
de Mário Costa Pinto)
O CONTINENTE NEGRO
Trabalhei com Sacadura Cabral muitos anos em África, em estudos geográficos. Em 1913 encontravamo-nos na fronteira de Baroce. Éramos astrónomos ambulantes... Um dia ouvimos os pretos comentar as nossas actividades: "os brancos nunca se perdem porque à noite perguntam a Deus onde estão." Rimo-nos da sua infantilidade, porque o que nós fazíamos à noite era observar as estrelas! E é tudo.
(Gago Coutinho)
E DEPOIS DO 14-BIS?
Artur de Sacadura Freire Cabral Júnior nasceu a 23 de Maio de 1881 na freguesia de Celorico (São Pedro), concelho de Celorico da Beira, distrito da Guarda, filho de D. Maria Augusta da Silva Esteves Sacadura e de Artur Sacadura Freire Cabral. Possuía uma especialidade rara, os trabalhos geográficos ultramarinos, com os quais se familiariza através do Comandante Gago Coutinho, que chegara a Moçambique em 1907. Geógrafos e hidrógrafos, os seus trabalhos em Angola e Moçambique granjeiam-lhes grande reputação.
Entretanto, algo de excepcional acontece: Santos-Dumont, com o seu 14-bis, arranca do solo num mais pesado que o ar movido, pela primeira vez, por meios mecânicos. Sacadura põe-se logo a sonhar e consegue contagiar Gago Coutinho. Depois de abrir fronteiras em terra, abri-las no ar... Afinal, as estrelas tinham sido sempre suas companheiras, é tão somente questão de chegar ainda mais perto delas. O projecto vai aguardando melhores dias até que, em 1914 rebenta a Primeira Guerra Mundial.
Sacadura regressa à Metrópole e depois vai aprender a voar. De França, envia um postal a Gago Coutinho, que ficara em Lisboa:
Meu Caro futuro Chefe: lembranças da minha prova de viagem que estou fazendo. Um abraço do Sacadura.
Apenas sete anos depois, a travessia aérea do Atlântico Sul concretiza-se e portugueses dão novamente novos mundos ao mundo.
A CEIFEIRA II
Momentos após a descolagem perdi-o de vista. Estava um nevoeiro denso que se pegava com o mar. Penetrámos nele e seguimos a nossa rota. Voei sempre baixo, por vezes a dez metros da água, que estava tranquila, sem carneirada, um mar que se confundia com o nevoeiro. Não sei a que altura voava o comandante Sacadura, mas pode ter batido no mar na desgraçada ilusão do nevoeiro. Várias coisas podem ter sucedido, e esta é uma delas!
Comandante Pedro Ferreira Rosado in "Breve História da Aviação Portuguesa"
de Mário Costa Pinto.
RASCUNHO DE UMA VIDA
Sacadura assenta praça. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.
Sacadura assenta praça em 10 de Novembro de 1897. É aspirante de Marinha. Sucessivamente é promovido a segundo-tenente em 1903, a primeiro em 1911, a capitão-tenente em 1918, a capitão-de-fragata por distinção em 1922.
É louvado pelo desempenho profissional, como soldado e como geógrafo. Demarca mais de 800 quilómetros de fronteira em África. Realiza vários feitos aeronáuticos antes da viagem Lisboa-Rio: Calshot-Lisboa, Lisboa-Funchal e Lisboa-Madrid.
Sempre embarcado por mais de dez anos, é depois Director dos Serviços de Aviação Marítima (1918) e comandante de esquadrilha da Base Aérea Naval de Lisboa. Também adido aeronáutico em Paris e Londres.
É oficialmente dado como desaparecido em 15 de Dezembro de 1922.
Cavaleiro da Legião de Honra, Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, Grã-Cruz de Sant´iago e Espada, Placa de Honra da Cruz Vermelha Portuguesa.
A CEIFEIRA III
E não tinha larguíssima razão para sê-lo? O voo ao Brasil, extraordinária proeza mundial, feita em circunstâncias inéditas e assombrosas, bem podia enchê-lo de vaidade! Tinha uma força de vontade invulgar que tornava excepcional a sua forte personalidade, reunindo todas as condições para o fazer triunfar. E triunfou sempre até ao derradeiro momento. O seu fim, mesmo, é uma apoteose ao seu altíssimo valor. Ninguém o viu tombar, ninguém o viu morrer, ninguém o olhou vencido pela morte! Elevou-se e penetrou na História.
Comandante Pedro Ferreira Rosado in "Breve História da Aviação Portuguesa"
de Mário Costa Pinto.
CRUZAR O EQUADOR DE AVIÃO
"Qualquer viagem aérea é um ponto de interrogação", diz Sacadura. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.
O "Lusitânia" chega ao Rio de Janeiro. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.
Qualquer viagem aérea é um ponto de interrogação e muito mais esta, que apresenta numerosas dificuldades. Conheço o ´bico de obra´ que ela é e posso dizer que há cinquenta por cento de probabilidades a seu favor e outras tantas contra. A viagem é possível, mas para isso é preciso que tudo corra normalmente ou, se assim o quiserem, que o Padre Eterno se conserve ´pelo menos´ neutral no pleito que se vai travar entre nós e os elementos. Façamos votos por que assim aconteça, mas não cantemos vitória antes de tempo porque... ele nem sempre está de bom humor.
(Sacadura Cabral em carta aos jornais portugueses
na véspera da partida para o Brasil)
Simples geógrafos tinham provado que um avião se podia orientar no ar, com tanta segurança como o fazem os navios no mar. Tinha-se repetido a prioridade portuguesa, uns quatro séculos depois de as nossas caravelas terem passado alem do trópico. E levávamos pintada nas asas a mesma cruz vermelha de Cristo, com que nossos caravelistas devassaram - como cantou Camões - "aqueles mares" e "os novos ares que o generoso Henrique descobriu."
(Gago Coutinho em conferência a bordo do navio Vera Cruz
em viagem para o Brasil)
Já tínhamos os nervos trabalhados pelos dias de longa espera, pairando em volta dos rochedos, aguardando em cada manhã a notícia da largada do avião de Santiago de Cabo Verde. As horas passavam, monótonas, quebradas pela pesca de alguns tubarões, o arpoar das toninhas, ou o espectáculo dos vorazes esqualos perseguindo os peixes voadores na esteira de luz que os projectores lançavam sobre o mar...
Nada, porém, nos fazia esquecer aquele retardo na partida para a viagem culminante.
Pesavam sobre nós aguaceiros diluvianos e a larga calema punha no mar uns espessos tons de chumbo derretido. Sobre os rochedos esfrangalhados flutuava a espuma das vagas, afugentando a passarada que se acumulava nos picos.
Em tudo víamos receios pela sorte do avião. Tanto nos parecia o mar mais tranquilo, como julgávamos impossível uma amaragem feliz com tal ondulação. Vento, não havia. Apenas aquele constante e infatigável desfilar das ondas mortas, mudas, impassíveis...
Chegámos assim ao dia 18 de Abril. Nessa histórica manhã, veio, finalmente, a notícia da largada do avião. Tudo o mais se esqueceu. O navio inteiro era um formigueiro, todos a fazer não sei quê, Tudo a pensar no Lusitânia.
Arrimaram-se logo algumas embarcações e prepararam-se com gente, combustível e palamenta, como se fossem para uma grande travessia! O imediato do navio, o distinto e saudoso comandante Vilarinho, irradiava entusiasmo e a tudo provia, majestoso nas suas barbas branco-aloiradas.
Não sabíamos se tínhamos razão; mas, a partir duma certa hora, começámos a impacientar-nos por nada avistar...
Havia largo tempo que vínhamos catando o horizonte, tentando descobrir qualquer coisa no ar. Vigias subiam e desciam a toda a parte, ao alto dos mastros, aos cestos das gáveas, pendurados nas enxárcias. Não havia binóculo ocioso, nem bom gajeiro que tivesse ficado distraído na coberta. A guarnição estava sobre brasas!
Às vezes, já desesperados de tanto esperar, atacados de súbito desânimo, atirávamo-nos sobre os beliches, querendo esquecer aqueles momentos angustiadores. Mas em breve saltávamos cá para fora, de novo a penetrar as longas distâncias com os olhos fuzilantes.
O navio vomitava pela chaminé espessos rolos de fumo, para que mais facilmente os aviadores os descobrissem. E nada! O Sol já descia, ameaçadoramente, e o ambiente tornava-se verdadeiramente cruciante, quando alguém se lembrou de, por meio de espelhos, reflectir os raios solares sobre o horizonte, a fim de melhor revelarmos a nossa presença.
Não houve vidro em estado de servir que não viesse cá para cima; das mochilas das praças saíram os mais minúsculos espelhinhos e todos nos agarrávamos, infantilmente, a essa ténue esperança. E seria certamente bem cómico presenciar, a sangue-frio, tanta gente assim compenetrada, de espelho na mão, a faiscar ao sol.
O avião não aparecia. O guarda-marinha Henrique Fonseca (...) fraco e doente, trepou também a uma enxárcia, para de lá fazer sinais. E ali vamos nós todos, os guarda-marinhas, atrás dele, reanimados... Nada! Apenas o Sol a baixar cada vez mais, trágico, tenebroso...
Cruzando um pouco ao largo, as embarcações navegavam, prontas para tudo. Oliveira Muzanty (...) não podia disfarçar a sua preocupação, o suor encharcava-lhe os cabelos.
Até que um grito, penetrante como o aço, vivo, de uma alegria intensa, veio de lá de cima, dando a nova abençoada. Ali vinham eles!...
Não te posso , ninguém poderia descrever-te aquele instante de desvario! Não havia ali oficiais, nem comandantes, nem marinheiros. Foi um primeiro minuto de correria, tresloucados, grumetes abraçando os sargentos, comandantes e praças a darem-se as mãos, e todos aos encontrões!
Ali vinham eles! Ali vinha a imagem da Pátria novamente através dos mares sobre os céus por descobrir!
O ponto negro foi crescendo, passou sobre os penedos. A bordo entrava-se na obediência e todos estava já nos seus postos. Ouvia-se o motor e o Lusitânia começou a descer junto das embarcações.
Foi um momento apenas. Um dos flutuadores tocou a crista duma vaga e desfez-se. O avião saltou ainda e caiu pesadamente, afocinhando logo, de cauda para o ar! Ficámos gelados, mudos. Uma angústia mortal tocou-nos. Corriam algumas lágrimas. Muitos se encostavam às amuradas, exaustos, de nervos quebrados.
As embarcações correm para o avião e, a custo, de lá arrancaram os seus valorosos tripulantes. Os heróis estavam salvos, mas o Lusitânia estava perdido. Gago Coutinho sobe a escada do portaló do República, emocionado. Olhava para o seu avião, tão leal e tão querido!
- Aquele motor era o nosso coração!
O comandante Sacadura, impassível, sem sair do escaler, pediu um cigarro. E, sem qualquer outra consideração, dirigiu-se para o aparelho, meio submerso, para tentar salvá-lo. Nem uma palavra ou um gesto, de tristeza ou alegria. Um homem de aço!
(Manuel Maria Sarmento Rodrigues, em carta a Norberto Lopes,
depois publicada num jornal vespertino de Lisboa)
O que é que se tinha passado no ar? Sacadura descreve-o no seu relatório:
O vento continua abrandando e o consumo de gasolina mantém-se em, pelo menos, vinte galões por hora! Volto a discutir com o Comandante Coutinho a nossa situação, que me parece bastante grave. Devemos estar a 690 milhas dos Penedos e não temos mais que oito horas e meia de gasolina! Para chegarmos, precisaríamos de andar a 80 milhas e estamos andando a 72! O lógico, o prudente, seria voltar para trás, mas a má impressão produzida, se assim fizéssemos, certamente seria enorme! (...) Confesso que, para mim, foi este o bocado mais amargo da viagem Lisboa-Rio, porque durante nove horas e meia vivi sempre na incerteza de ter ou não ter gasolina suficiente para chegar ao término. Se assim acontecesse e tivéssemos de pousar no mar, longe dos Penedos, aqueles que não nos conhecessem suporiam sempre que tínhamos partido com gasolina suficiente, mas que, tendo-nos perdido, tínhamos terminado por pousar ao acaso em qualquer ponto do oceano, e assim ficaria por demonstrar aquilo que queríamos provar, isto é, que a navegação aérea é susceptível da mesma precisão que a navegação marítima!
(Sacadura Cabral)
Vem outro avião de Lisboa, um Fairey 16 semelhante ao Lusitânia. A viagem recomeça, mas uma avaria no sistema de alimentação do motor obriga Sacadura a amarar. Os flutuadores, começam imediatamente a meter água. Os tubarões aproximam-se. Um bicho mais afoito aproxima-se. Dirá Gago Coutinho:
- Vinha outro mais pequeno ao lado. O grande era o pai... Trazia o filho para lhe ensinar a ganhar a vida... Quando viram que o avião não era comestível, fizeram-se ao largo.
Coloca-se-lhes a questão: que fazer? Esperar os tubarões? Esperar a decisão do mar? Pôr fim à vida servindo-se da única pistola que tinham? Decidem ficar no avião até ao fim. Sacadura comenta a propósito da situação:
- A mim o que me está a ralar mais é não ter cigarros!...
Navio inglês salva-os. E será em novo avião que chegam ao Rio de Janeiro, em Junho, em apoteose. E os brasileiros, sempre fervilhantes no reinventar da língua, logo inventaram vocábulo novo para descrever situações de euforia semelhante: "sacadurismo"...
A CEIFEIRA IV
Tinha uma confiança ilimitada na sua estrela, e por isso as dificuldades para ele não contavam! Nunca o vi desanimar em circunstância alguma. Acompanhávamo-lo e ele regozijava-se com a realização dos seus vastos anseios.
(Comandante Pedro Ferreira Rosado in "Breve História da Aviação Portuguesa"
de Mário Costa Pinto)
A IDEIA DE UNIR LISBOA AO RIO DE JANEIRO POR VIA AÉREA
Relatório de Sacadura Cabral:
Pouco antes da travessia aérea do Atlântico Norte, realizada pelos Americanos, teve Lisboa a honra de receber a visita de S. Exª o Dr. Epitácio Pessoa, presidente eleito da República dos Estados Unidos do Brasil. Partidário de uma aproximação íntima das duas nações irmãs e desejoso, não só de contribuir, no pouco que em minhas forças cabia, para essa aproximação, como de manifestar o prazer que sentia por ver Portugal honrado com tão excelsa visita, apresentei a S. Exª o Dr. Vítor Macedo Pinto, que nessa época geria a pasta da Marinha, a ideia de que fosse tentada a travessia aérea de Lisboa ao Rio de Janeiro com a colaboração do Governo brasileiro.
O meu projecto era interessar nessa viagem as duas nações irmãs, conseguir um mínimo de dois aviões, cada um dos quais seria tripulado por portugueses e brasileiros, e tentar a travessia com a colaboração das duas marinhas de guerra, brasileira e portuguesa.
A meu ver, seria esta colaboração uma das melhores formas de melhor estreitar os laços que sempre existiram entre as duas nações, o meio natural de mais afectuosamente nos estimarmos e de praticamente reconhecermos que o Brasil e Portugal, apesar de geograficamente separados e de constituírem nações independentes, formam para Portugueses e Brasileiros como que uma mesma pátria, por afinidades de língua, de raça, de ideias e de sentimentos.
Este meu projecto foi recebido com a maior simpatia pelo Governo português, o qual, além de me designar para estudar a viagem, imediatamente publicou um decreto autorizando os créditos, então julgados necessários, para se efectuar e instituindo um prémio para a travessia, prémio que só podia ser conferido a portugueses e brasileiros.
O prémio em causa era no valor de vinte contos...
João de Barros, após o feito, lembra:
Se não aproveitarmos a ocasião única, o momento excepcional que atravessamos, criando com o Brasil uma situação de mútuo entendimento, económico, comercial, artístico, literário - um entendimento que seja, perante os outros países, demonstração efectiva da comunidade lusíada, vibrando e vivendo ainda em duas nações independentes e autónomas; se não fizermos da nossa vitória de hoje o ímpeto invencível das nossas vitórias de amanhã e, sobretudo, a base sólida do nosso renascimento - o acto magnífico dos aviadores será perdido.
O Governo Brasileiro acabou por desistir de patrocinar o projecto. Sacadura é que dele não desistiu. Para além de querer unir os dois países com aquela viagem, acalentava o desejo que ela fundasse os alicerces duma carreira aérea regular entre Portugal e Brasil, tornando as relações ainda mais próximas e rápidas.
Só em 1960 se estabeleceu uma carreira aérea, trinta e oito anos depois da viagem de Sacadura e Coutinho. E apenas em 1966 essa carreira passou a regular por iniciativa da T.A.P.
A CEIFEIRA V
Sacadura vive no mundo grandioso das ideias... Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.
Possuía um feitio muito pessoal que talvez o não tornasse simpático à primeira vista nem muito afável, mas Sacadura era um independente nos seus hábitos, desligado daqueles sentimentos que assaltam e vencem as pessoas. Vivia no mundo grandioso das suas ideias e realizava-as com inteligência rutilante e audácia admirável. Era um notável organizador que lograva chegar sempre ao ponto que aspirava. Conhecia-se. Eu não sei se isso se pode chamar vaidade, mas se se pode, ela estava certa em Sacadura, que apenas devia à sua gigantesca força de vontade os triunfos da sua vida.
(Comandante Pedro Ferreira Rosado in "Breve História da Aviação Portuguesa"
de Mário Costa Pinto)
AMOR E MORTE
- Mas, diga-nos, a voz do povo afirma que foi noiva do comandante Sacadura...
- O que a voz do povo não sabe é que um dos meus desgostos é nunca ter falado com o grande aviador nem mesmo pelo telefone... Paz à sua alma de herói e a tantos outros que o foram! (...) tiveram-me sempre como noiva espiritual, e por isso ficou-me da vida uma sensação de esmagamento ao sabê-los desferir voo para regiões mais longínquas.
"Eterna Desconhecida", em entrevista a Mário Costa Pinto,
in Breve História da Aviação Portuguesa
Gosto de ter madrinhas, mas não gosto de conhecê-las. A madrinha deixa de ter para mim o seu verdadeiro encanto, o encanto do mistério, quando a conheço.
(Sacadura Cabral)
Gago Coutinho costuma dizer:
Nós não fomos heróis. Usámos manhas de geógrafos, que se orientam pelo sol e pelas estrelas...
... eu sou um homem de café. Em toda a minha vida sempre fui simples. Quiseram fazer de mim uma outra pessoa quando do voo ao Brasil em 1922. Juntaram-nos no mesmo nome: Coutinho-Cabral, mas Sacadura era o chefe e o trabalho foi dele quase todo
"Dizem que do nevoeiro virá, um dia, D. Sebastião. Pelo nevoeiro desaparece Sacadura Cabral para nada mais restar que uns tantos destroços de aeronave, ruínas impessoais duma vida feita de muitas vidas.